quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

enquanto a chuva cai

a chuva cai lá fora
enquanto cá dentro gotejam versos
e escorrem entre os dedos
pela ponta do lápis
segredos em verdades socializadas
socializantes, em ápices
pensamentos escorrem como
corre o sangue quente dos batalhadores
como quando punhetamos nossos amores
assim apunhalamos nossas dores
bebemos, fumamos, enquanto a vida
nos bebe, nos fuma, nos embriaga
nossas feridas, feito flores

confraternizamos nossos ideais
com 51 sabores, seja bem-vinda

trecho de uma carta

“...,
se um navio de heminópteros gigantescos
nefilibatasse em frente a janela avessa
voando a procura de espaços grutescos
seria no mínimo estranho

duas atitudes escoltam-...
uma é quem sabe minha maior virtude
que é reconhecer a outra,
esta é quem sabe meu maior defeito
usufrutuar o ar da liberdade com responsabilidade
com responsabilidade!?
é mais fácil versejar gelo com deserto
...”

ceia do zé ninguém

a lembrança mais marcante

não é a das luzes de natal
piscando ao longo daquele avião
de pedra, suor e dor
um filho lindo fisicamente
mas cancerígeno desde o parto
à cesariana na história do Brasil

a lembrança mais marcante

não é a da poesia oscariana
com poemas de concretos que desafiam a lei da gravidade
que parecem óvnis aterrizados
sutilmente
por extraterrestres covardes ou videntes
e não, rabiscados pelo modesto Oscar
e declamados pelos candangos
como realmente foram
declamados por mãos de homens famintos pelo desejo de que
o hoje deles preenchessem-lhes o amanhã
ao menos, no prato de seus filhos
o hoje daqueles pais, antigo amanhã,
mal cobrem o fundo do prato já raso destes filhos
mesmo antes de saberem escrever seca
no casco do inóspito, ser tão inóspito, sertão
sentem-na definhando-os da superfície às entranhas
que já sabiam que tinha que lutar desde então
pela sobrevivência do hoje de amanhã

a lembrança mais marcante

não é a da sedutora dinamicidade da vida
num grande centro urbano
com seu vasto cardápio diário de alimentos di'versos
uns para o bolso, muitos para o corpo e alguns para a mente
mas sem diploma ou dinheiro?!... Aí a coisa fica preta
e se correr, talvez o bicho não pegue
mas se pegar, devora
esta lembrança que navalha a cara da condição humana
do homem sem condição
de eliminar seu ódio e/ou sua tristeza
sua inveja e/ou sua inércia
seu vazio, o vazio do orgulho de ser da raça humana
e essa piada sem graça que se ganha mal dá para comprar
o incenso, que traquéia abaixo empurra-se o seu perfume tóxico,
estrangula o que ainda resta do resto
e para comprar a anestesia
que goela abaixo indoma endiabradamente a coordenação motora
ébriodelirante foge-se para a realidade imaginada
dessa cópia construída e sustentada pelos ilusionistas de plantão

a lembrança mais marcante de Brasília
é a do frio!

o frio terrivelmente frio
que badalou-me ao grau zero
ao badalar da hora zero
daquele natal zero
zerado!!!
meu primeiro dia na “nossa” capital federal
dia de ceia, de confraternização, dia de natal
já não bastassem o enfastio, da fome e da sede
ainda este frio
de matar escrotos congelados em seus sacos
sem ducha quente, sem lençóis, sem cama nem rede
sem telefone, sem serviço de quarto, sem quarto
também pudera, embaixo dum viaduto, ninguém dispõe de futilidades
Futilidades lá?!! Lá ninguém nem quer saber o que quer dizer essa p... de futilidade
- se é de comer,manda pra cá
que aqui tem fome de sobra, até estraga, todo dia
tamanha a fartura que é aqui, e nos outros submundos do mundo inteiro
aqui, lotando esta imensa geladeiravião de portas esquecidas abertas
já não bastassem vazias, ainda ficando roxas
a palma das mãos e a boca
lágrimas de sangue a gotejar do nariz
o ar alfinetando os alvéolos
e o vento caus'ticando aos ossos

a ponto de congelar, fingi estar sonhando
imaginei que o avião era o universo
os conjuntos de luzes natalinas eram constelações
o avião estava salpicado de estrelas
numa caverna escura estava o avião
coberto de vagalumes
o universo: um imenso buraco negro manchado de fagulhas
e eu? eu era a distância, a distância entre o avião e a fagulha mais longínqua
Até que... o inesperado... as constelações eram dinamites , que logo explodiram
explodindo todo o avião e tudo virou
um imenso lago de fogo, as chamas de um inferno
e as poltronas oscarianas tornaram-se palácios de muitos
de muitos demônios e raros homens com algum caráter

e foi assim, fingindo pra mim mesmo que não estava fria'mente louco
fingindo uma loucura real
que consegui que presentear a minha morte
com um natal menos doloroso.